Viajar é contagioso

Houve um momento, no início deste ano, em que senti que tinha mesmo que dar a volta ao mundo. Foi quando conheci a Susana, uma amiga do meu irmão, que tinha feito uma “round-the-world trip”, com sete escalas de avião e muitos percursos por terra. Tinha ido sozinha, durante quatro meses. Senti-me totalmente contagiada pela experiência dela, fiz dezenas de perguntas e foi nessa noite, conversando com ela, que decidi partir. E já que ninguém podia ou queria ir comigo, iria também sozinha. Não ter companhia era, de facto, uma das poucas coisas que me fazia ainda hesitar em avançar com este projecto. As histórias da Susana foram uma inspiração. Nessa mesma noite emprestou-me o livro “O mundo é fácil”, do Gonçalo Cadilhe, que devorei em poucos dias. A decisão estava tomada. Ia. Sozinha.
Algumas semanas depois já estou em Istambul. O Bahaus Hostel, onde fico alojada, tem programas e animação para todas as noites. Na minha última noite está agendado um espectáculo de belly-dance. Depois de ter perdido, intencionalmente, a noite do karaoke, tenho uma certa curiosidade de ver que tipo de espectáculo será este. Saio do quarto e vou para a sala de estar, onde já estão umas 20 ou 30 pessoas um pouco de todo o mundo, a beber cervejas de meio litro e a conversar alegremente em tom de voz elevado. Por vezes, algumas destas caras parecem-me familiares e tenho uma falsa sensação de já as ter visto em algum lugar. Também me acontece, de repente, ver num desconhecido uma pessoa que conheço, o que não deixa de ser estranho. A música na sala é dos anos 80, muito kitsch, a condizer com a salamandra artificial, um aquecedor com uma imagem de lareira lá dentro. Sento-me num dos sofás e arranjo espaço para mais um casal se sentar ao meu lado. Começamos por falar de algo trivial e acabamos a noite inteira na conversa, que só é interrompida pelo medíocre espectáculo de belly-dance. O Magnus é sueco, mas vive com a Maja, polaca, em Varsóvia. Temos uma empatia imediata, não sei bem porquê, acho que a afinidade entre estranhos é algo que não se explica. Dizem-me que nunca estiveram em Portugal, mas que a ida está prevista ainda para este ano: vão ao Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde, onde Magnus terá uma curta em competição. Ele é realizador de cinema, ela é jornalista da revista Elle na Polónia. “Somos colegas de profissão”, rimos. Quando lhes conto sobre a minha viagem, parece que revejo o deslumbramento e a curiosidade que tive quando falei pela primeira vez com a Susana. Colocam-me todo o tipo de questões e confessam que adorariam fazer o mesmo. Levanto-me por alguns minutos para ir à casa-de-banho. Quando volto, o Magnus e a Maja sorriem e dizem: “Acabámos de decidir que também vamos dar a volta ao mundo.”  


A lei turca decidiu bloquear este site

O meu blog foi hoje bloqueado na Turquia. Em Portugal parece estar a funcionar normalmente, mas na Turquia ninguém o consegue abrir. Aqui aparece apenas a seguinte mensagem em turco: "A lei turca decidiu bloquear este site". Pedi para me postarem isto em Portugal, já que daqui não consigo. Espero que na Síria, onde chego 5ª feira de manhã, tudo volte ao normal.
Até já.

Chuva, fé, futebol e especiarias

Último dia em Istambul, chove, claro. Faço um esforço para sair do Hostel mesmo com a chuva molha-tolos que sei que dificilmente dará tréguas. Vou com o Frank e o Andre à Cisterna da Mesquita AyaSofya, é assim que eles lhe chamam aqui, eu chamar-lhe-ia um criptopórtico, para mim cisterna é outra coisa. Mas adiante, o sítio é realmente bonito e interessante e a visita recomenda-se. A seguir, os meus novos amigos têm que apanhar o avião de regresso a Karlsruhe, na Alemanha, e eu continuo o passeio sozinha. Estou apenas a tentar ser mais teimosa que a chuva, há-de parar, penso. Vou a pé de Sultanahmet até ao mercado das especiarias, pelo menos estarei numa área coberta.

Lá dentro, depressa começa o normal assédio dos vendedores. Tento ignorar, sorrindo apenas e fazendo de conta que não percebo. Mas como quero fotografar tenho de parar e não consigo evitar a conversa. "Spanish? Italian?" Claro que Portugal é um país que à partida nunca lhes passa pela cabeça. "No, portuguese", respondo. A reacção é quase sempre surpreendente, positiva e, regra geral, traz nomes do futebol atrás. Mas ao contrário do que pensava, aqui a estrela portuguesa não é o Cristiano Ronaldo. "Ahhh, Portugal, Quaresma!" Foi em Istambul que fiquei a saber que pelo menos quatro portugueses jogam no Besiktas, uma das equipas turcas mais importantes. Ricardo Quaresma, Simão Sabrosa, Hugo Almeida e um tal de Fernandes, que não sei quem é. "Trivela", diz um dos vendedores, enquanto faz um gesto com o pé. Mais à frente, outro vendedor insiste para que entre e prove uns doces típicos feitos de mel e avelãs. Tento recusar, mas as técnicas de venda estão bem estudadas: "Try it, is no sugar, because you're sugar!" É impossível não sorrir a uma abordagem destas. Contudo, resisto à compra seja do que for, não posso acrescentar nem mais um grama à minha mala de viagem. No aeroporto, em Lisboa, tinha 16kg, quando deveria ter, no máximo, 10. Vou ter que me desfazer de algumas coisas pelo caminho.

Saio do mercado das especiarias na hora da chamada para a reza do meio-dia, a mais importante. Continua a cair uma chuva impiedosa. Nas partes laterais da mesquita, mesmo ali ao lado, dezenas de homens lavam os pés antes de entrar. Mais tarde venho a saber que não são só os pés. O ritual, imposto apenas aos homens, inclui a face, pescoço, orelhas, mãos e braços até ao cotovelo, pés e pernas até ao joelho. Só os homens são obrigados a lavar-se e têm de o fazer sempre antes de entrarem na mesquita. Ora, isto tudo, cinco vezes ao dia, parece-me  um bocadinho exagerado. Desconfio que Alá, naquele tempo, não tinha muito que fazer e também devia ser obcecado com a higiene dos fiéis.

Atravesso a ponte e sigo em direcção à Torre Galata. No caminho páro para almoçar. Talvez a chuva se vá durante a tarde, tenho ainda uma pequena esperança. Experimento uma deliciosa sopa de iogurte quente com arroz e especiarias e uns cogumelos com queijo derretido por cima. Come-se bastante bem na Turquia e não é caro, mais barato até que em Portugal. Terminada a refeição, saio para a rua e continua a chover. Ok, declaro-me vencida. Não vou subir à Torre para apanhar mais chuva e não conseguir uma única fotografia que não seja cinzenta. Volto para o Hostel de Tram e de neura. Sei que em Portugal está um sol radioso e alguns amigos estão numa esplanada na praia, a beber caipirinhas. As saudades de casa começam a apertar. Penso onde é que estava com a cabeça quando achei que me conseguiria separar do meu namorado por dez meses.











Longos dias cinzentos

(English Version below)

Estou há cinco dias em Istambul e ainda não vi o sol nem nada que se parecesse. Desde segunda-feira que não há uma aberta, o céu tem estado sempre carregado e cinzento e muito raramente pára de chover. Sei que em Lisboa e em Portugal está sol, ouvi até alguém falar numa "primavera antecipada". Talvez por causa disso tenha sido hoje que me bateram as saudades de casa. Acho que hoje foi o meu "baptismo de solidão", aquele de que o Gonçalo Cadilhe fala no livro "Planisfério Pessoal", quando atravessa o Atlântico a bordo de um cargueiro. Amanhã parto para a Capadócia, em direcção à Síria.





Long grey days

I've been in Istanbul for five days and have yet to see the sun. The skies have been cloudy and gray since Monday, and it rarely stops raining. I know that the sun is shining in Lisbon and Portugal, I even heard someone talking of an "early spring". Perhaps that’s the reason why today I felt homesick. I think today was my "baptism of solitude." Tomorrow I leave for Cappadocia, towards Syria.

Cemitério e banho turco, para começar

(English Version below)

Estou hospedada no Bahaus Hostel, em Sultanahmet, numa camarata feminina com 3 beliches, onde já estão três meninas do Rio de Janeiro (digo 'meninas' porque, além de terem menos 15 anos do que eu, sei que no português do Brasil não é bonito chamá-las 'raparigas'). Ao pequeno almoço, a Nandi, a Aisha e a Mayane perguntam-me se quero ir com elas ao cemitério de Eyup. A ideia agrada-me, sempre tive uma estranha atracção por cemitérios e nunca vi um turco, por isso o convite é perfeito. Connosco vêm também o Frank e o Andre (alemães) e um canadiano de quem não me lembro o nome (é difícil decorar tantos nomes de viajantes quando se fica num Hostel). O cemitério é todo a subir, mas vale a pena pela vista. São lindas as campas todas em pedra com inscrições em escrita otomana. Algumas são de pessoas importantes que eu não faço ideia de quem foram. No topo do cemitério sentamo-nos numa esplanada para tomar um café turco. Não recomendo. O sabor é demasiado amargo e nunca percebi a razão de tanta borra. Tiramos fotos enquanto ouvimos a chamada das várias mesquitas para uma das cinco rezas diárias. As vozes e os cantos ecoam e misturam-se de ambos os lados do Bósforo.

À tarde separamo-nos e decido experimentar o tão famoso banho turco. Vou ao Cemberlitas Hamami, o mais antigo de Istambul, que data de 1584. Não é barato, cerca de 25 euros, com direito a uma massagista e um banho de 15 minutos. A experiência é daquelas que nunca mais se esquecem e que se recomendam a toda a gente. Gravadas ficam as imagens da altíssima cúpula, com buracos redondos e estrelas que deixam entrar a luz, o longo caminho das pingas de água do tecto até à plataforma redonda de mármore onde estamos deitadas, dezenas de mulheres só em cueca preta, alinhadas à volta do círculo e as massagistas em lingerie, preta também, umas magras e outras muito gordas. Cheira a sabonete, tento perceber de quê e só me vem à cabeça o sabão "Clarim" que a minha avó usava para lavar a roupa.

Olho à volta, sento-me primeiro, e fico na esperança que a minha massagista não seja aquela senhora turca ali ao lado, com uns 90 quilos e a barriga a cair-lhe para cima das pernas, deixando apenas vislumbrar o fio da tanga que usa nas ancas. Com uma luva esfoliante esfrega vigorosamente uma japonesa de pele alva, que acusa algum desconforto. A minha massagista chega, chama-se Songu, é magra e loura e vem em topless. Diz para me deitar e ao primeiro movimento faz-me sinal para me deitar ao contrário, com a cabeça para o lado dos pés da mulher anterior. O espaço não é muito e bato logo com a cabeça nos pés da senhora. Ajeito-me um bocadinho mais para o lado e antes de sequer pensar alguma coisa caem-me dois baldes de água quente em cima. Fico ali uns cinco minutos até a Songu voltar para me começar a esfregar o corpo com a tal luva esfoliante. Por momentos acho que me pode até arrancar a pele, tal é a força com que me massaja. "Turn!" e "Sit!" são as únicas palavras que profere. Também me massaja a cara e o pescoço. Depois disto nem vestígios de células mortas no meu corpo, isso é certo. Depois, tira de uma bacia com água e sabonete, um tecido de algodão em forma de saco. Sacode-o, o saco enche-se de ar e ela espreme uma quantidade gigantesca de espuma para cima de mim. Agora sim, a massagem é extremamente agradável. "Turn!" Enquanto me viro penso que não me importava nada se me dessem banho assim todos os dias. "Sit!" Massaja-me sem piedade com a espuma na cara, nas orelhas, no pescoço, nas axilas e nos braços. Sabe bem. "Come!" Agarra-me na mão, levanta-me e leva-me, pela mão, para uma das arcadas laterais, onde há uns lavatórios em mármore pela altura dos joelhos, com duas torneiras, uma em cima da outra, água quente e água fria. Senta-se no lavatório e manda-me, por gestos, sentar de costas entre as suas pernas abertas. Lava-me a cabeça. Muito vigorosamente. E eu a pensar, lá se vão umas quantas mechas de cabelo. O meu banho turco termina com vários baldes de água em cima. "OK!", diz Songu. Sorrio e agradeço, digo-lhe em inglês que foi maravilhoso, ela ri e abraça-me. "Now, jacuzzi!" Com a impressão de ter levado uma tareia, vou um bocadinho para o jacuzzi, mas a água está demasiado quente e volto para o centro do enorme círculo de mármore, onde fico deitada a olhar a cúpula. Fico por lá a relaxar mais uma hora e só depois de ver as expressões de espanto das mulheres que vão entrando no 'Hamami' pela primeira vez é que me apercebo da cara que devo ter feito eu, quando me deparei com tal cenário. Pena não poder fotografar.

No caminho de volta ao Hostel parece que flutuo e não sinto frio nenhum. No iPhone, ouço esta música dos Four Lads, de 1953: 

"Take me back to Constantinople
No, you can't go back to Constantinople
Now it's Istanbul, not Constantinople
Why did Constantinople get the works?
That's nobody's business but the Turks'."







Cemetery and Turkish Bath, for a start

I'm staying at the Bahaus Hostel in Sultanahmet, in a female ward with three bunk beds, where three Brazilian girls from Rio de Janeiro are already staying. At breakfast, Nandi, Aisha and Mayane ask me if I would like to join them on a visit to the cemetery of Eyup. The idea appeals to me, as I always had a strange attraction to cemeteries. Since I have never seen a Turkish cemetery, the invitation is perfect. With us are also Frank and Andre (German) and a Canadian guy whose name I can’t remember (it's hard to memorize so many traveler names when staying in a hostel). The cemetery is all the way up, but worth the visit. The graves are beautiful, made of stone with inscriptions in otoman writing. Some are important people that I have no idea who they were. At the top of the cemetery we sit on the terrace to have a Turkish coffee. I do not recommend it. The taste is too bitter and I never understood why there is so much dross in it. We take pictures while we hear the call of the various mosques to one of the five daily prayers. The voices and the chants echo and blend from both sides of the Bosphorus.

We part in the afternoon and I decide to try the famous Turkish bath. I go to Cemberlitas Hamami, the oldest of Istanbul, which dates from 1584. It’s not cheap, as it costs around 25 euros, and includes a masseuse and a 15 minute bath. The experience is unforgettable and one recommendable to everyone. The high dome, with round holes and stars that let the light shine through, the long way of the water dripping from the ceiling to the round marble platform where we are lying down, dozens of women only in black underwear, lined up around the circle and the masseuses in lingerie, also black, some thin and some very fat. It smells like soap, and as I try to guess the smell the only one that comes to mind is the soap that my grandmother used to wash her clothes. I look around, sit down and hope that my masseuse is not the Turkish lady next to me, weighing around 90 kilos and with a belly dropping down her legs, leaving only a glimpse of the thong she wears on her hips. 

With an exfoliating glove she vigorously scrubs a Japanese woman with very white skin, who seems a bit discomforted with the experience. My masseuse arrives, her name is Songu, and she is thin and blond and topless. She tells me to lie down and makes me a signal to lie upside down, with my head facing the feet of the previous lady. The space is not much and my head immediately hits the lady’s feet. I cuddle up a little bit more to the side and without notice I get soaked with two buckets of hot water. I remain there for about five minutes until Songu returns and starts rubbing my body with this exfoliating glove.
At times I think she will pull my skin, such is the strength with which she scrubs me. "Turn!" and "Sit!" are the only words she utters. She also massages my face and neck. No trace of dead cells will be found in my body after this treatment, that's for sure. Then, she takes a bowl with water and soap, a cotton-shaped bag. Shakes it, the bag fills with air and she squirts a huge amount of foam on top of me. At last, the massage is extremely pleasurable.
"Turn!" While I turn around I realize that I absolutely wouldn’t mind if I could enjoy one of these baths daily. "Sit!" She massages me mercilessly with foam on the face, ears, neck, underarms and arms. It feels good. "Come!" She grabs my hand, lifts me and takes me by the hand to one side of the arcades, where there are knee-high marble sinks, with two taps, one over the other, for hot and cold water. She sits in the sink and tells me, by gestures, to sit between her legs. She then washes my head, very vigorously. And all along I’m thinking, there go a few more strands of hair.
My Turkish bath finishes with several more buckets of water. "OK!" says Songu. I smile and thank her, telling her in English that it was wonderful, she laughs and hugs me. "Now, jacuzzi!" With the impression of having taken a beating, I sit in the Jacuzzi for a while, but the water is too hot and I return to the centre of the huge marble circle, where I lie down looking at the summit. I remain there one more hour, relaxing, and only after seeing the expressions of surprise of the women that enter the 'Hamami' the first time I realize the way I must have looked when I came across such a scenario. Too bad I can not take any pictures.

It seems as I’m floating, on the way back to the Hostel, and I do not feel any cold. On the iPhone, I hear this music of the Four Lads, 1953:

"Take me back to Constantinople
No, you can't go back to Constantinople
Now it's Istanbul, not Constantinople
Why did Constantinople get the works?
That's nobody's business but the Turks'."

Istambul: Kebab e Cola Turka

(English Version below)

O tempo está cinzento, chove e estão menos uns dez graus que em Lisboa. Não percebo uma palavra de turco e aqui quase ninguém fala inglês. Não me anima muito o facto de saber que daqui para a frente a comunicação será cada vez mais difícil. No primeiro almoço em Istambul, com mais seis 'turistas', não consigo escapar a um Kebab de frango. Para beber oferecem-nos Coca Cola ou então Cola Turka. Todos pedimos a Turka. Eu gosto. Se calhar podia ser um bom negócio para Portugal ter a sua 'Cola Tuga'. 
Primeira refeição em Istambul e já estou farta de Kebab, mas gostei da Cola Turka.
Istanbul: Kebab and Cola Turka

The skies are gray, it’s raining and ten degrees colder than in Lisbon. I do not understand a word of Turkish and hardly anyone here speaks English. I am not very encouraged with the knowledge that going forward the communication will be increasingly difficult. At the first luncheon in Istanbul, with six more tourists, I can not escape a chicken kebab. To drink they offer us Coca Cola or “Turk Cola”. We all ask for the Turk variety. I like it. Maybe it could be a good bussiness for Portugal to have their 'Tuga Cola'.

Caption: First meal in Istanbul and I'm already sick of Kebab, but enjoyed the Turk Cola.

O Caminho do Oriente (ou a 1ª fase de uma Volta ao Mundo)

(English Version below)

A primeira reacção das pessoas quando disse que ia dar a volta ao mundo sozinha foi de alguma estranheza, talvez até negação. Quando expliquei, então, que iria de Istambul até Macau por terra, atravessando países como o Iraque, Irão e Paquistão muitas dessas pessoas ficaram verdadeiramente preocupadas. "E se te drogam e acordas numa banheira cheia de gelo sem os orgãos?", ironizou uma amiga. "Na primeira semana roubam-te logo o computador e a máquina fotográfica", disse logo outra. A minha família, obviamente, também não ficou entusiasmada com a ideia. Para ser sincera, o meu pai detestou. A minha mãe abraçou-me com muita força e quase implorou no meu ouvido um "por favor, não vás". Curiosamente, o meu namorado foi quem mais me incentivou, mesmo que esta viagem nos vá separar durante mais tempo do que aquele que estivemos juntos até agora.

Nunca gostei do preconceito, apesar de às vezes também não o conseguir evitar. Além disso sou um bocadinho como o S. Tomé, gosto de ver certas coisas com os meus próprios olhos. A ideia generalizada de que o Médio-Oriente é perigoso e não se deve visitar não me convence. E por isso tenho tanta vontade de provar o contrário.

Desde a maioridade, todo o dinheiro extra (ou não) que tenho gasto em viagens. A minha vontade de conhecer o mundo é imensa. E como 2011 é o meu ano chinês, o do coelho, há muito que tinha decidido que neste ano estaria na Ásia. Só não sabia muito bem onde nem como.

Sou jornalista e fotógrafa freelancer desde 2000 e no próximo dia 21 de Fevereiro vou iniciar o meu projecto de vida, uma viagem à volta do mundo. Sozinha, porque ninguém quis ou pôde vir comigo. Decidi que a viagem vai começar em Istambul, na Turquia, porque é onde a Europa termina e a Ásia começa. Um pouco inspirada nas viagens de Marco Polo e na Rota da Seda, este será o meu ‘Caminho do Oriente’, que numa primeira fase ligará Istambul a Macau. O depois ainda não está definido.

O objectivo desta viagem e deste 'diário de bordo' é desmistificar o medo que, regra geral, as pessoas têm de partir à descoberta do desconhecido. Quero provar que o mundo é seguro e que todos podemos e devemos viajar, procurar e comunicar com outros povos e culturas e não ter medo de ir ao encontro da diferença.


Way of the East (or the first phase of a trip around the world)

The first reaction I got from people, when I told them I would be going on a trip around the world by myself, was strangeness, perhaps even denial. When I proceeded to explain that I would be going from Istanbul to Macau by land, crossing countries like Iraq, Iran and Pakistan, they became truly worried. “What if you get drugged and wake up without a kidney in a tub filled with ice?”, joked one friend. “Someone will steal your computer and camera in the first week”, mentioned another one. My family, obviously, was less than enthusiastic with the idea. To be honest, my father hated it. My mother hugged me tightly and almost whispered in my ear a “please don’t go”. Curiously, my boyfriend was the one who encouraged me the most, even if this trip will separate us for longer than what we have been together so far.

I have never liked prejudice, even though sometimes I can not avoid it myself. Besides, I enjoy seeing things with my own eyes. The widespread idea that the Middle East is dangerous and should be avoided doesn’t convince me. And that is why I am so eager to prove otherwise.

Since I was a teenager, all the extra money I had has been spent travelling. My desire to get to know the world is immense. And as 2011 is my Chinese lunar year, the rabbit, I had long decided that I would be in Asia in this year. I just didn’t quite know where or how.

I have been a journalist and freelance photographer since 2000 and on February 21st I will begin my life’s project, a trip around the world. I’ll go alone, because no one wanted or could come with me. I decided that the trip will start in Istanbul, in Turkey, because this is where Europe ends and Asia begins. Somewhat inspired by the travels of Marco Polo and the Silk Road, this will be my “Way of the East”, which initially will link Istanbul to Macau. The next step is not yet defined.

The purpose of this trip and this diary is to demystify the fear that, generally, people have of heading out into the unknown. I want to prove that the world is safe and that we can and must travel, search and communicate with other people and cultures and not be afraid to meet the difference.